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Açougue de Pequenos Prazeres é uma experiência ficcional dramatúrgica-literária de Helen Kaliski, que busca olhar criticamente para as transformações recentes na sociedade brasileira por meio da criação de um universo especulativo, de um sub-mundo cotidiano onde qualquer desejo pode ser realizado, basta pagar a quantia certa. 

 

O espaço físico do Açougue pode ser imperceptível aos olhos mal treinados, mas é nesta clínica experimental que a ficção científica de nós mesmos se inicia. Os desejos mais profundos são realizados ali, não importam quais sejam. Neste local a sensibilidade de cada pessoa encontra sua expressão mais verdadeira. Emoções e desejos se transformam em ambientes planejados ou intervenções cirúrgicas que aliam tecnologia e satisfação plena. 

 

A dramaturgia inédita coloca em palavras, imagens e colagens o universo ficcional dessa clínica experimental, desse Açougue de Pequenos Prazeres.

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Cartaz 

colagem. 2021

297 x 420 mm 

textos e colagens publicados no zine “Cyberdyke” da Machorra Edições

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Panfleto

colagem. 2021

297 x 420 mm

textos e colagens publicados no zine “Cyberdyke” da Machorra Edições

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Escombros

colagem. texto. 2021

210 x 297 mm

textos e colagens publicados no zine “Cyberdyke” da Machorra Edições

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Portão

colagem. pop up. texto. 2021

210 x 297 mm

Açougue de Pequenos Prazeres

Capítulo 0

 

Portão

 

Tudo começa com essa pessoa. Com o exato momento que talvez fosse a última vez que olharia a própria imagem no espelho. Sempre pensou que haveria algo a mais ali, alguma nova dimensão que de alguma forma ela poderia entrar. Mas não, aquele era o último momento para conferir tudo.

 

Não, nada havia mudado.

Sua calça continuava desbotada, a camiseta preta velha e larga, o tênis e a cara do mesmo jeito sendo a mesma coisa.

 

Ela tinha agora a perspectiva de ser uma nova inquilina. De ser uma procurante.

 

Foram 5 anos coletando informações que não existiam. Preenchendo as lacunas de uma história inventada pelas suas pequenas obsessões. Todos os vazios possíveis foram devidamente analisados e reavaliados, nada passou sem um segundo olhar, seu mesmo, mas segundo. Com o tempo os vácuos foram preenchidos por novos arquivos, novos achados provavelmente menos significativos que os anteriores, mas aquela era a sua coleção. O que tinha se tornado seu bem mais precioso. Seu bilhete de entrada.

 

Ela tinha na mão o endereço. Papel velho e mofado.

 

E também tudo que tinha conseguido juntar de dinheiro nesse meio tempo, um amontoado de notas dobradas, sujas e rasgadas, coladas posteriormente e com recados importantes anotados, bilhetes necessários que ela mesma fez caso precisasse em alguma emergência durante o trajeto, que esperava que fosse tranquilo.

 

A perspectiva da nova inquilina. Da procurante. Da trajetória de um desejo. Da vontade em se ter pequenas obsessões, pequenos fluxos de pensamento que acontecem velozmente sobre qualquer ponto randômico ao seu redor que lhe tirem do lugar onde se encontra. Um gasto de energia e uma perda de potência do real. O panfleto é aquilo tudo. Dar de cara em outra coisa. Ser sugada para o presente. Buscar a realidade da obsessão. Essa pessoa não tem nome e não é importante que tenha, pode ser conhecida como Novata do Grampo, caso necessário.

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Sala de Espera

colagem. pop up. texto. 2021

210 x 297 mm

Açougue de Pequenos Prazeres

 

Sala de Espera

 

Registro em papel. Verso do formulário

 

Arquivo Geral do Ministério da Defesa

 

Autoria: Novata do Grampo | Residente Permanente | Sala zero | Código de identificação 2003

 

Um ambiente asséptico, bem estruturado, amplo mas não tanto, poucas cores e algumas cadeiras. Algumas outras plantas amareladas pela falta de luz, porque como já se espera o ambiente não possui janelas. A única luz que entra e só de vez em quando é pela porta, por um pedaço quadrado de vidro da porta e só das 4 da tarde em diante, então é no máximo 2 horas por dia. O que resulta em plantas mal cuidadas, com ar de velharia estagnada. O chão é inteiro forrado com um carpete verde musgo, tem algumas manchas espalhadas, mas ainda não cheguei a uma conclusão do que pode ser. Sangue ou café. Um dos dois. Mas isso tudo é uma descrição inicial, foram só 5 segundos de observação intensa.O que vem a seguir é que é realmente importante.

 

ENTRADA. Placa zero. 

 

Quem passa por aqui vê esse convite. 

 

GRAMPEAMOS NA PELE O LEMBRETE DA MORTE.

 

pensando acho que é bom ter isso grampeado na pele.

de alguma forma é bom.

diminui enormemente a parte que gosto de chamar de capítulo do “EU”. 

todos os debates egóicos e a auto massagem poética se resumem a um papel e um grampo.

todos fincados milimetricamente numa ordem que cria uma textura metálica na pele.

deixa de ser macio, para se tornar áspero, brilhoso e frio.

uma junção quase que saudável de sangue carne e cicatrizes mal costuradas. metal que finca papel agressivamente. abrindo buraco e espaço.

 

mas isso é só falar sobre os grampos todos. 

o interessante são os papéis.


 

e olha que são vários pedaços de papel perdidos aqui nessa sala. sem cronologia alguma estão por tudo por todos os lados, não tenho ideia.

de quem é essa pessoa de quem são essas pessoas

vários nomes pendurados lembretes perdidos 

alguns parecem mais frescos que outros, uns mais leves e bem trabalhados, que também podem não ser nada. somente papéis perdidos e comidos pela vida

mas me parece que temos aqui uma diversidade de cortes e sabores. carnes com cortes variados. pingando de tão tenras. 

sim são os diferentes cortes na tua carne e na minha também. oferecidos num amplo cardápio. só que nem eu nem você escolhemos nunca mesmo sendo frequentadores vorazes disso aqui disso. o que no fundo não diz nada, porque não existem preferências nessa...sala de espera? 

 

você entra com no mínimo um grampo e um lembrete, mesmo não querendo nada. mesmo que seu sonho seja a imortalidade.

e cai direto numa poça de sangue. teu sangue sempre teu e dependendo dos casos de algumas outras pessoas que você trouxe junto sem saber. 

 

elas sem saber no caso. você sabe de tudo. 

 

talvez.

 

porque essa sala tem o costume de apagar muita coisa e de te lembrar de várias outras.

 

então até que é reconfortante ficar com a parte grampeada na pele melhor ainda ter um grampo e não ver. 

 

SURPRESA ! 

 

daquelas bem grandes e lentas. já esperando que algo ia aparecer, mas uma surpresa na hora que realmente acontece

 

mas também tem uma outra opção. SEMPRE TEM UMA OPÇÃO.  


 

de adicionar grampos. vários outros. vários outros de sua escolha. todos os grampos e todos os lembretes. seus. todas as coisas escolhas suas. precisas. bem precisas.

não tem surpresa nenhuma, porque nessa sua história o que vale

é lembrar com mais força mais intensidade

saber mais lembrar de mais coisas ter uma memória cada vez mais potente

não essa substância inanimada esquecida

são memórias

de lombos culotes peitos pés cus cabeças bochechas pescoços fígados coraçãozinho

memória de tudo isso

a carne de outra pessoa posta num prato enfeitado na tua frente de alguém ou alguma coisa mais frágil. que você acredita ser mais frágil

e eu tenho poder sobre isso, sobre tudo, sobre essa outra carne, menos sobre mim, nunca sobre mim

mas é importante temperar bem. 

 

colocar mais um lembrete grampeado na carne. 

 

agora embalada e etiquetada. a sua própria carne de alguma forma prensada à vácuo, em um processo bizarro de higienização à vapor e enrolada em um plástico vagabundo que fura só de encostar, mal aguenta o peso da etiqueta, da identificação numerária precária que a gente se tornou.

 

a identificação é então necessária. pré requisito para o que vai se desenrolar. nessa sala, nesse saguão?

 

e o que vai ser? surpresa? registro?

como faz para registrar tudo isso e a morte?

 

Mas por enquanto estou aguardando a minha senha.               só eu nesse espaço inicial. nessa porta de entrada de bilhetes grampos, clips vi clips agora. qual será o tipo de pessoa que tem o seu lembrete preso com clips. sei que o meu é um grampo, foi o que recebi no início de tudo.

 

junto com esse formulário.

 

Instituição:

Nome:

Sobrenome:

Situação jurídica no momento:

Endereço por ocasião:

Data de entrada:

Data de nascimento:

Situação jurídica posterior:

Ocupação habitual:

Endereço:

Pessoa a ser avisada em caso de emergência:

 

bastante curioso esse outro pedaço de papel. Contém outros tipos de informação, um pouco perdidas do tempo parecem, como se tivessem vindo amareladas e enrijecidas. Em papel fino e quebradiço. Frágil. Mas tão extremamente bem marcado por um tipo de óleo colorido que deixa aquilo bonito, com um grau de romance doentio com cheiro de naftalina e mofo. Você se coloca ali naquele papel, deixa informações que te definem, dizem quem você é para o tipo de gente que vai ler aquilo. Sabe-se lá que tipo de gente são….sabe-se quem.

 

PODE SIMPLESMENTE SER QUALQUER UM. QUALQUER

 

calma, é preciso traçar um caminho, uma outra rota. 

o que é preciso fazer

o que é preciso entender

estudar precisa estudar

precisa?

 

não, não quero mais. chega. sair, como faz pra sair?

 

Máscaras de oxigênio não cairão sobre suas cabeças e as portas permanecerão trancadas. 

 

já cheguei aqui tá bom. mas isso. eu realmente preciso

mentira não preciso não

quero. só isso

quem pode me ajudar

alguém aqui deve fazer isso

eu entrei sem saber mas é isso.

 

quero

 

ver demais ver demais seria a melhor coisa na hora de morrer


 

quem alguém? alguém pode ajudar. AJUDA. 

 

só quero saber se eu vou receber o que me prometeram no panfleto. espaço ideal para a satisfação de pessoas impotentes. tudo bem tudo bem espero com calma tranquilidade. eu posso… ler tudo que está aqui tenho tempo de sobra capacidade autocontrole o que mais

 

.

.

.

 

Estamos nos dirigindo para mais uma era de extinção onde só vão sobrar as bactérias. 

 

esse podia ser o meu lembrete mas não vai ser. nunca algo tão bom estaria perto de mim como companhia eterna eu digo. 

 

é mais a minha pessoa ser algo como a cabeça do cadáver flutuou pelo prato do meu café da manhã por semanas. com zero coerência que no fundo nunca foi meu ponto forte. coerentemente tudo fica bem mais sem graça e com o mínimo de sabor. 

 

será que isso aqui é um teste então, descobrir o meu lembrete? genial se fosse isso. mas ainda estou com a senha. chamaram meu nome...não ouvi isso, mas posso ter fingido não ouvir nada para ficar mais um tempo aqui nessa cadeira que é bem desconfortável por sinal. uma poltrona seria tão mais convidativo. 

 

mas no panfleto diz NÃO SOMOS CONVIDATIVOS. nosso objetivo não é o seu conforto. proporcionamos o ambiente perfeito mas jamais o seu conforto. então sinta-se à vontade para entrar e descobrir o que tiver desejo. também descobrir desejos. concretizar todos eles.

 

Sim, sim, isso também estava no panfleto. Tanta coisa no panfleto, um bom panfleto. 

 

Se acende um cigarro. pausa.

 

pensa nisso tudo. aguarda a senha. 

 

pelo tour sempre começam pelo tour nessas ocasiões 

agora posso relaxar um pouco 

o tour é o tipo de coisa que esclarece qualquer confusão que possa ter começado. começar pelo tour é sim cronologia e coerência. 

 

como assim chamaram a senha um. meu número é o zero. tem que ser antes. sempre vem antes.

 

calma sempre existe uma cronologia na não coerência não não era isso

esse pensamento não era assim

zero sim agora sou eu foi só um pequeno erro

é só levantar e colocar um pé na frente do outro sem grandes alardes focar no movimento das pernas um pé e depois o outro pensar sempre no movimento pras laterais que o pé sozinho faz antes de ir para frente chuta nas duas direções e pum é forçado para frente e se obriga a fincar no chão vai contra o que o pé sozinho quer fazer mas sim eu sei sou obrigada a fazer isso ainda não sei como deixar que o pé se faça sozinho para qualquer lado porque honestamente não sei como andar de outro jeito não tenho mais estruturada para isso tentar de novo isso aí

 

Entre e feche a porta. 

 

GRAMPEAMOS NA PELE O LEMBRETE DA MORTE. 

''TODAS AS INFORMAÇÕES CONSTANTES NESTA OBRA SÃO DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO AUTOR.''

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